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Por Leonardo Barreto – cientista político
Dizem que política não se discute. E religião também não. Se isoladamente essas duas questões são tabus, imagine quando elas se misturam? Mas, mesmo sendo um debate difícil, ele é necessário. Especialmente se considerarmos que há hoje no Brasil uma agenda grande de assuntos de políticas públicas que estão sendo tratados no campo das crenças e dos valores morais, como a descriminalização do aborto, por exemplo.
Religião e política sempre foram ‘irmãs siamesas’ por uma necessidade mútua: monarcas necessitavam que os chefes religiosos os proclamassem os “eleitos de Deus” para poderem contar com a obediência do povo e os chefes religiosos precisavam dos exércitos dos reis para expandir sua crença para outras terras.
A separação entre política e religião aconteceu muito recentemente. No campo das ideias, quem fez isso foi Maquiavel. Na sua visão realista, seu pecado foi dizer que os líderes políticos possuíam uma ética própria e que ela nem sempre combinava os valores religiosos. E dava um conselho às pessoas moralmente elevadas. Elas até podem tentar aplicar à política os seus rígidos códigos de conduta, mas devem estar conscientes de que estarão lidando com pessoas que não fazem isso. Foi nesse sentido que ele afirmou: “Aquele que deixa o que se faz pelo que se deveria fazer aprende a se arruinar em vez de se preservar”.
Historicamente, quem acelera o processo de secularização do Estado são os protestantes. No início, eles foram alvos de perseguições sanguinárias. Talvez por esse motivo, quando tiveram a chance deles próprios fundarem um Estado, estabeleceram que religião era algo de foro íntimo e pertencente unicamente ao universo particular das pessoas. O Estado, portanto, deveria ser radicalmente laico.
Essa posição não significa que o Estado não devesse promover valores. Pelo contrário, ele possui uma grande importância normativa. Mas os valores deveriam estar ligados ao desenvolvimento do civismo, à cidadania e ao patriotismo. Qualquer coisa que envolvesse Deus ou crenças religiosas deveria ficar estritamente por conta da religião.
No Brasil, essa separação acontece na fundação da república e ninguém duvida que o país conseguiu construir um Estado laico. Apesar de alguns resquícios e sinais do período em que o Estado professava uma religião oficial, como crucifixos em repartições públicas, por exemplo, o fato é que as políticas públicas não descriminam ninguém em virtude da sua crença.
Entretanto, a relação entre política e religião volta à baila constantemente. Nos anos 70, por exemplo, as bancadas religiosas se mobilizavam no Congresso para impedirem que a mulher ganhasse o direto ao divórcio, em um debate que durou quase uma década. Atualmente, discute-se descriminalização do aborto, adoção de crianças por pessoas homossexuais, políticas de combate à homofobia, liberação entorpecentes, entre outros.
É ingênuo acreditar que o Estado possa ignorar as crenças e os valores das pessoas no momento de decidir sobre esses temas. Mas também é igualmente ingênuo querer resolver essas questões apenas com base na imposição de crenças religiosas, ignorando que elas se referem a problemas reais aos quais as políticas públicas devem dar respostas.
Há solução fácil? Creio que não. Sendo difícil construir consensos, resta a alternativa do debate e da disputa. Mas é importante que tudo aconteça no campo das ideias e que ambas as partes alimentem respeito mútuo. Nada pode ser “a ferro e fogo”. Da mesma maneira que o Estado não pode ser insensível às crenças das pessoas, também não pode mais ser utilizado para professar uma ou outra religião. Esse período já passou e o mundo ainda tem na memória os milhões e milhões de mortos que a radicalização dessas ideias gerou em outros tempos.
Foto: Jessé Vieira
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