O momento não era propício para investir na Estrutural. Enquanto intensificavam-se
as políticas de remoção dos moradores e o comércio local sofria boicotes, em 1998, a costureira Sônia Mendes pensava em melhorias para a cidade. Primeiro montou um mercadinho com os familiares. O negócio foi um sucesso, mas não era o que gostava. Sentia saudades da linha e da agulha. Apostou, então, no trabalho manual. Reuniu 25 artesãos em espaços improvisados e criou, despretensiosamente, o projeto Mãos que Criam. Nove anos depois, mais de 300 pessoas já foram capacitadas para o mercado de trabalho e os produtos são vendidos até fora do Brasil.
O grupo, agora fixado em um galpão de 300 metros quadrados construído em um mutirão da comunidade, oferece gratuitamente oficinas de serigrafia, crochê, bordado e costura, todas com duração de três meses, e também cria peças personalizadas com biscuit, jornais e garrafas pet. Não é necessário ter experiência. O único requisito é ser morador da Estrutural, e têm prioridade pessoas de baixa renda. “É um jeito de dar oportunidade para quem não tem escolaridade”, conta Sônia, que guarda 2010 como um marco na sua nova trajetória. Aos 45 anos, voltou a frequentar as salas de aula para concluir o ensino médio.
Ao fim do curso, alunos com melhor desempenho são contratados e colocam o aprendizado em prática. Atualmente, as confecções são feitas apenas sob encomenda, já que os artesãos têm clientes fixos que revendem para diversas cidades do Distrito Federal. A estabilidade nas vendas acabou com a dependência das feiras. “A primeira que fizemos, quando ainda nos reuníamos na minha casa, foi um fracasso. Não vendemos nada e saímos arrasados”, lembra Sônia, rindo.
Se hoje as dificuldades são tratadas com descontração, é porque tiveram ajuda para descobrir onde estavam os erros. Além do patrocínio de material e cursos da Petrobras, o Sebrae deu consultorias de capacitação, gestão, comercialização e design. “A primeira coisa que nos disseram é que não deveríamos nos preocupar em vender, mas sim pensar em qualidade”, diz a empreendedora. E deu certo. As peças, mesmo algumas sendo formadas por materiais reciclados, fazem sucesso, justificado por Sônia como resultado da dedicação e do esforço dos artesãos.
Outro diferencial é a exclusividade dos produtos. A bolsa de garrafa pet, famosa criação do grupo, foi desenhada por Renato Imbriosi , um dos grandes nomes do artesanato no país. Confeccionada por alunos formados nas oficinas, a peça chamou atenção em quatro desfiles de Brasília em 2008 e é revendida pelo designer nos Estados Unidos. Neste ano, membros do governo holandês conheceram a associação e levaram para casa, além das bolsas, bonecos, suportes e panos de prato.
Orgulho de ser brasileiro
Há 15 anos, quando chegou, contrariada, à Estrutural, Marialves de Lima, 42, sentia raiva de ser brasileira. “Só estudei até a sétima série. Corria atrás de um trabalho, mas as portas sempre estavam fechadas pra mim”, explica-se. Além disso, reclamava que não queria morar em uma cidade que, segundo ela, era discriminada pela fama de violência e abandono. O marido, mesmo assim, comprou um terreno e então teve que mudar-se de Águas Lindas (GO).
Marialves trabalhou como faxineira até chegar à Mãos que criam. Apesar de a mãe ser artesã, não tinha habilidades com o trabalho manual. Começou com as aulas de bordado e em seguida aprendeu o crochê. De ponto em ponto, tomou gosto pelo trabalho e logo foi chamada para enfeitar panos de prato. Ao fim das produções, ficou como professora voluntária das oficinas até ser, definitivamente, contratada. “Quando a Sônia assinou a minha carteira, eu chorei muito e falei: ‘Vale a pena sim ser brasileira”, conta, entre risadas.
A aposentada Alvina de Lira, 57, segue os passos da professora Marialves. Aprendeu a costurar no fim do ano passado e, neste mês, decidiu arriscar o crochê. “É muito mais complicado”, reclama, sem tirar os olhos da agulha. Ainda assim, garante que não vai desistir, já que precisa aumentar a renda da família e, para isso, pretende vender seus artesanatos na feira dominical da cidade.
Ao acompanhar essa autonomia dos alunos em conseguir usufruir dos ensinamentos passados nas oficinas é que Sônia comemora a concretização de seu projeto. Mas as apostas na Estrutural não terminaram. Ainda quer abrir uma loja na região para expor e vender as peças desenvolvidas no projeto. Outro foco da empreendedora é construir uma biblioteca comunitária dentro do terreno onde são dados os cursos.
“Agora que voltei aos estudos, sinto muita dificuldade em encontrar um lugar para me concentrar. Quero criar esse ambiente para a comunidade”, explica. A biblioteca, já em construção, terá espaço para 300 pessoas. O acervo será montado com a ajuda de doações. Atualmente, a arrecadação chega a dois mil exemplares.
Saiba mais
Interessados em doar livros ou conhecer a Mãos que criam podem entrar em contato com a associação pelo número 9253-7628.
Artesãos rumo ao mercado de trabalho com Sonia Mendes
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