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Praça dos Três Poderes oferece espaços para contemplação
O centro do poder não é só aridez e luta política, como descobriram uma auxiliar de limpeza e um ministro

Daniela Garcia - Correio Braziliense


Para ficar mais perto do céu, Maria José de Souza Silva, 59 anos, recomenda um passeio no Congresso Nacional, de preferência, pelo Salão Negro da Câmara dos Deputados. Conhecida como Dona Zezé, a vigilante da principal entrada do parlamento trabalha de segunda a sexta-feira com vista para o azul infinito. Ela, que foi auxiliar de limpeza da Casa por 33 anos, encara a nova função como um prêmio em sua carreira. “Sou uma privilegiada”, diz, ao olhar o sol escaldante do começo da tarde.


Ayres Britto fez do horizonte um aliado na tomada das decisões mais difíceis

Dona Zezé lembra que tinha um apreço especial pelas manhãs em que lustrava as vidraças do Salão Negro. Ela fazia com dedicação, mas sem deixar de aproveitar o momento. “Eu dava aquela enroladinha no trabalho para olhar o céu”, confessa. Quando estava no turno da noite, a preferência era pelo Salão Verde. Segundo ela, da sala das lideranças dos partidos, também há uma bela vista a ser admirada. “É lindo quando tem lua cheia. Ela fica refletida no espelho d’água”, conta.

Vista do Salão Negro da Câmara dos Deputados: privilégio dos servidores anônimos da Casa


Apesar dos bons momentos, Zezé teve um começo difícil na Câmara. “Eu vim trabalhar aqui depois de o meu marido ser ‘matado’.” Ela conta que o esposo foi assassinado enquanto assistia a um jogo de futebol em um bar de Taguatinga Norte. Mãe de quatro filhos aos 25 anos, Zezé teve a ajuda de um cunhado para conseguir a função, como terceirizada na Casa. “Não sabia de nada quando cheguei. Meu chefe teve que me ensinar até a pôr papel higiênico no suporte”, detalha.

Zezé encarou sozinha o sustento da família. No começo, encarou jornadas de 12 horas por um salário mínimo e meio. “Não era bom para mim. E eu ainda tirava a oportunidade de alguém trabalhar por um período inteiro”, avalia. Fez um acordo com o chefe e passou a entrar na Câmara a partir das 16h e, assim, tinha tempo para fazer faxinas e complementar a renda. O trabalho noturno de Zezé coincidiu com a época de elaboração da Constituição de 1988, quando as sessões rendiam até de madrugada. “Nós, da limpeza, tínhamos que ficar. A gente não poderia deixar de limpar os banheiros”, explica.

Depois de tanto trabalhar, Zezé ficou chateada ao saber que só teria um salário mínimo como aposentadoria. “Fiquei muito triste por um tempo.” Dona Zezé já criou seus filhos, tem dez netos, deseja ter tempo e dinheiro para viajar. “Eu quero ir para a praia”, desabafa. Foi pensando nisso que ela, aos 58 anos, resolveu fazer o curso de vigilante e dar uma incrementada no ordenado. Ela descreve assim sua nova rotina: “Eu chego e tenho que conferir se está tudo no lugar. Também abro as cortinas. E sempre fico de olho se as pessoas estão entrando na passagem privativa dos deputados ou se sentando nos braços das cadeiras. Elas são obras de arte, tem que tomar cuidado”.

Lição de poesia
Da mesma Praça dos Três dos Poderes, o sergipano Ayres Britto, 71 anos, teve uma visão privilegiada do céu enquanto exerceu o cargo de presidente do Supremo Tribunal Federal (STF). Na liderança da Corte, o poeta e magistrado diz que ver o horizonte de Brasília o inspirou na resolução de casos juridicamente controversos, como a demarcação da terra indígena Raposa do Sol e o reconhecimento da união homoafetiva. “Muitas vezes, eu parava e tinha necessidade de ir até a janela, de visar a Praça dos Três Poderes, olhar o horizonte, ver o céu de Brasília. Assim, eu recobrava o ânimo, buscava inspiração”, revela. Ayres Britto diz duvidar que autoridades tenham uma visão parecida sobre o que se passa bem acima dos prédios da Esplanada dos Ministérios. “No poder é mais complicado, porque é outro mundo.”

Ao contrário dos plenários do Congresso Nacional, a sala de decisões do STF tem vidraças de onde vem a luz natural. Quando estava no comando da sessão, Britto, por vezes, exigia que fossem abertas as cortinas. “Ali, a gente ficava numa cápsula. Então, eu dizia: ‘Vamos abrir as janelas’. É assim que deve ser o operador do direito. Ele deve abrir as janelas para o mundo circundante, onde a vida acontece”, argumenta. Sob o olhar do ex-ministro, os julgamentos do STF devem ser embasados na razão, mas sem abandonar o sentimento. “Não é julgar com coração à revelia das leis. Interpretar as leis no plano mental, portanto, mas a partir dos poros do sentimento. O sentimento abre os poros da mente. E a mente servida pelos bons sentimentos enxerga mais longe, mais claro, mais largo — enxerga mais alto”, acrescenta.

Depois de trabalhar por nove anos no STF, Ayres Britto se aposentou compulsoriamente ao completar 70 anos, em 18 de novembro de 2012. Desde então, ele dá palestras, é professor universitário e presta consultoria e serviços jurídicos no escritório que abriu no Brasil 21. Por motivos profissionais, o magistrado reconhece que ficou em Brasília porque a cidade é, definitivamente, o “centro do poder”. Já sob a perspectiva poética, Britto assume que a sua decisão também tem a ver com o que considera o maior atrativo da capital: o céu. “Existencialmente, o céu de Brasília abre o horizonte para a sentimentalidade, para o desdobramento do intelecto da gente. Há 11 anos, eu vim experimentar Brasília e o próprio Supremo Tribunal Federal. Gostei muito da minha função no STF. Tenho para mim que não perdi a viagem. Me realizei servindo a população. Fiz viagem de alma, não fiz viagem de ego. E, ao fim do meu período no Supremo, eu consultei a família. Evidentemente, a decisão foi unânime: Brasília”.



"Eu dava aquela enroladinha no trabalho para olhar o céu”
Dona Zezé, vigilante do Congresso Nacional


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