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Niemeyer se inspirou em nuvens e Athos experimentou o universo
Quando desenhou o Plano Piloto, Lucio Costa levou em conta, primordialmente, o céu e a topografia

Conceição Freitas

No princípio, era só o céu e o chão sem fim nem começo. Papel de cerrado em branco convidando Lucio, Oscar e Athos a criarem um novo mundo arqueado de eixos, pontuado de palácios e intercalados de obras de arte. Cada um dos três experimentou a seu modo o impacto celestial. E deixaram depoimentos nos quais relatam como foi criar sob o testemunho do firmamento. Nos primeiros tempos, Oscar vinha para Brasília de fusca, acompanhado dos amigos que mais tarde se mudariam com ele para o canteiro de obras da nova capital. De dentro do carro, ficava admirando as nuvens e imaginando palácios. Lucio Costa desenhou o projeto vencedor do concurso do Plano Piloto levando em conta as imagens aerofotogramétricas que davam a ideia da topografia e das dimensões do sítio que receberia a cidade. Calculou o volume dos edifícios de modo a deixar que o céu continuasse tão pleno quando antes da invasão do concreto. Não se encontrou registro de que ele tenha dito que “o céu é o mar de Brasília”. Nem Maria Elisa Costa, sua filha, tem essa anotação na memória. O arquiteto disse que “no cerrado deserto e de encontro a um céu imenso, como em pleno mar, a cidade criou a paisagem”. Athos Bulcão, que veio logo depois de Niemeyer, teve uma experiência cósmica com Brasília. Em certo dia, sem que houvesse bebido uma gota de álcool, sentiu o chão queimar sob seus pés e o universo inteiro faiscar sobre sua cabeça.


CÉU DE LUCIO


“Normalmente, urbanizar consiste em criar condições para que a cidade aconteça, com o tempo e o elemento surpresa intervindo; ao passo que em Brasília tratava-se de tomar posse do lugar e de lhe impor — à maneira dos conquistadores ou de Luiz XIV — uma estrutura urbana capaz de permitir, num curto lapso de tempo, a instalação de uma Capital. Ao contrário das cidades que se conformam e se ajustam à paisagem, no cerrado deserto e de encontro a um céu imenso, como em pleno mar, a cidade criou a paisagem.

“Digam o que quiserem, Brasília é um milagre. Quando lá fui pela primeira vez, aquilo tudo era deserto a perder de vista. Havia apenas uma trilha vermelha e reta descendo do alto do cruzeiro até o Alvorada, que começava a aflorar das fundações, perdido na distância. Apenas o cerrado, o céu imenso, e uma ideia saída da minha cabeça. O céu continua, mas a ideia brotou do chão como por encanto e a cidade agora se espraia e adensa”.
(Manchete nº 1167, 31/08/74)

Da proposta do plano-piloto resultou a incorporação à cidade do imenso céu do planalto, como parte integrante e onipresente da própria concepção urbana — os “vazios” são por ele preenchidos; a cidade é deliberadamente aberta aos 360 graus do horizonte que a circunda.”

Brasília Revisitada, 1987

CÉU DE ATHOS

“Brasília era uma região enorme, silenciosa, a terra e a argila esfria de noite. Sem ter montanhas, quando chegava a noite, o céu escurecia completamente, ficava coberto de estrelas. Uma dia, tive uma sensação absolutamente estranha. Eu morava na 709 Sul, que antigamente se chamava quadra 24. Eu estava andando do lado de fora da casa, caminhando depois do jantar. Estava escuro e eu tive a impressão que estava pisando na crosta terrestre, quase sentindo que havia fogo embaixo da terra. Não tinha bebido nada. Comecei a andar, aí comentei com uma amiga, a Nina Barroso, que é filósofa, e ela me disse: “Isso é importante, é a apreensão cósmica do universo”. Achei a ideia muito bonita. A gente olhava e só via estrelas. Por outro lado, havia o desconforto. Era setembro e era muito quente. O primeiro 7 de Setembro que passei aqui, me senti tão desgraçado, tão infeliz, porque era um dia de calor danado, ventava e havia poeira — hoje a gente não pode imaginar o que era a poeira de Brasília. Era terra, terra, terra. E tinha um fenômeno, os tufões. Pequenininhos, eles vinham rodando… Isso era toda hora. Entrava numa casa e deixava um centímetro de terra em cima de tudo. Aquela ventania, aquela terra. E a casa toda trancada para fugir da poeira. Me escondi no quarto, fechei a janela. Mas havia um sujeito conservando a casa e começou a cair massa do teto. Eu não tinha um lugar de refúgio. O jeito era rir.”

Depoimento ao Programa de História Oral do Arquivo Público do Distrito Federal

CÉU DE OSCAR


“Sempre que viajava de carro para Brasília, minha distração era olhar as nuvens do céu.
Quantas coisas inesperadas elas sugerem! Às vezes são catedrais enormes e misteriosas — as catedrais de Saint-Exupéry, com certeza; outras vezes, guerreiros terríveis, carros romanos a cavalgarem pelos ares; outras ainda, monstros desconhecidos a correrem pelos ventos em louca disparada e, mais frequentemente, porque sempre as procurava, lindas e vaporosas mulheres recostadas nas nuvens.
Mas logo tudo se transformava: as catedrais se desvaneciam em brnco nevoeiro; os guerreiros viravam préstitos carnavalescos intermináveis; os monstros se escondiam em escuras cavernas para surgirem adiante mais furiosos ainda, e as mulheres iam se esgarçando, se estendendo, transformadas em pássaros ou negras serpentes.
Muitas vezes pensei em fotografar tudo isso, tão exatas eram as figuram que apareciam. Nunca o fiz.
Mas, sempre que viajo, olhar para as nuvens é a minha distração predileta, curioso, procurando decifrá-las como se estivesse em busca de uma boa e esperada mensagem. Naquele dia, porém, a visão foi mais surpreendente. Era uma bela mulher rosada como uma figura de Renoir. O rosto oval, os seios fartos, o ventre liso, e as pernas longas a se entrelaçarem nas nuvens brancas do céu.
E fiquei a olhá-la embevecido, com medo de que se diluísse de repente. Mas os ventos daquela tarde de verão deviam estar me ouvindo e durante muito tempo ela ali ficou a me olhar de longe, como a convidar-me para subir e com ela, entre as nuvens, brincar um pouco.
Mas o que temia tinha de acontecer. E pouco a pouco a minha namorada foi-se diluindo, os braços se alongando com desespero, os seios a voarem como se destacando do corpo, as longas pernas se contorcendo em espiral, como se dali ela não quisesse sair. Só os olhos continuavam a me ficar cada vez maiores, cheios de espanto e tristeza, quando uma nuvem maior, densa e negra, a levou para longe de mim.
E fiquei a olhá-la, inquieto, vendo-a lutar entre as nuvens que a envolviam”

As curvas do tempo, Editora Renavan, 1998

www.correiobraziliense.com.br
Em vídeo, atores de Brasília interpretam textos dos mestres Athos, Oscar e Lucio



 

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